Cerca de 500 mil pessoas estão copiando à mão 29 exemplares do Livro Sagrado, que serão expostos em bibliotecas públicas
"A senhora gostaria de escrever a Bíblia?" A aposentada carioca Esther Marques Monteiro, 83 anos, comprava um presente para uma amiga quando foi surpreendida pela inusitada proposta. O convite foi feito por um funcionário do Centro Cultural da Bíblia, no Rio de Janeiro, onde está instalado um scriptorium da Bíblia Manuscrita, projeto da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB). Esther topou e acabou sendo "presenteada" , como faz questão de ressaltar, com a responsabilidade de escrever um livro inteiro do Antigo Testamento, o Primeiro Reis. Isso porque sua letra foi considerada muito bonita. Entre uma atividade e outra, Esther, que também é bibliotecária voluntária da Igreja Evangélica Fluminense, conseguiu copiar toda a obra em cerca de um mês. E sem muitos erros. "Tinha que ficar calculando o que caberia em cada linha, porque não é permitido separar as sílabas das palavras na troca de linhas. Fica feio", conta. "Me senti privilegiada, porque compreendi o que estava escrito de outra forma, mesmo já tendo lido a Bíblia mais de uma vez", acrescenta. Mas por que alguém reescreveria o Livro Sagrado artesanalmente?
A iniciativa é para comemorar os 60 anos da SBB, mas o objetivo é despertar a atenção de quem não é leitor da Bíblia. Com a ajuda de voluntários de todo o País - ao todo, são 500 mil copistas -, serão feitas 29 cópias artesanais do Livro Sagrado. Depois, serão doadas a bibliotecas públicas estaduais e ficarão em exposição permanente. O resultado final será curioso: um livrão com diversas caligrafias recontando as Escrituras Sagradas.
Cada pessoa transcreve, em média, dois versículos. Para evitar repetições ou omissões, a transcrição dos copistas é sempre acompanhada por um orientador. Errinhos de escrita são resolvidos com o bom e velho corretivo. Bem artesanal mesmo. E o papel e a caneta são especiais e padronizados. Dez Estados, entre eles Rio Grande do Sul e Alagoas, já finalizaram seus livros. A maioria, como Rio e São Paulo, ainda aceita a colaboração de interessados. Qualquer pessoa pode participar. Não precisa ter letra bonita - apenas legível. Mas não é permitido escolher o trecho que quer escrever.
A fim de facilitar o trabalho, em cada Estado a entidade distribui os livros da Bíblia entre instituições parceiras, normalmente igrejas. O voluntário segue o versículo no qual seu antecessor parou. "Tenho testemunhos de pessoas que não conseguiram copiar, porque os versículos tocavam em pontos muito sensíveis da vida delas. Eu também fiquei muito emocionada, meu coração acelerou", diz a economista cuiabana Daniela Matteucci, 34 anos. Frequentadora da igreja Assembleia de Deus há 11 anos, ela incentivou a família toda a contribuir.
Na casa do músico baiano Élder Bugha, 23 anos, foi diferente. Filho de pais católicos, ele foi o único da família a transcrever três versículos do livro Primeiro Reis: "Mas eles me apoiaram, até porque é uma bênção colaborar em um manuscrito que vai ficar para as próximas gerações." De fato, há uma preocupação em fazer algo histórico. "Ao promovermos a participação das pessoas, mostramos como a Bíblia foi preservada ao longo de muitos anos, antes da invenção da imprensa. Esse esforço de preservação mostra como é grande o valor das Escrituras", explica o pastor luterano Rudi Zimmer, diretor-executivo da SBB. Além de reescrever um trecho das Escrituras Sagradas, os voluntários são convidados a fazer uma doação em dinheiro e essa arrecadação vai bancar o projeto da Bíblia protestante em braile. O valor sugerido é de R$ 1 por versículo copiado, mas muita gente dá mais. A versão do Livro Sagrado para cegos tem 38 volumes, e a católica, 45. Cada um deles custa em média R$ 40.
Uma das fontes de renda da Sociedade Bíblica do Brasil é o parque gráfico, um dos maiores do mundo na produção de Bíblias - que rende aproximadamente R$ 70 milhões por ano. Ali são impressos, anualmente, cerca de oito milhões de exemplares do Livro Sagrado, parte deles exportada para 102 países. Fundada em 1948, a SBB não tem fins lucrativos: reinveste seu faturamento na própria gráfica e também em projetos sociais. A entidade é administrada por cristãos, muitos deles líderes de igrejas protestantes e evangélicas com MBAs no currículo.
As Bíblias manuscritas ficarão prontas até o fim do ano. Uma vez encadernadas, estarão à disposição de quem quiser ler nas bibliotecas. Espera-se que desperte a atenção justamente por estar na contramão da sociedade moderna, adepta da tecnologia. "Muitas vezes, as pessoas só querem um abraço, a simplicidade. Também precisamos nos preocupar com a condição espiritual delas", afirma Walter Eidam, secretário regional da SBB no Sul do Brasil. Segundo ele, a Bíblia artesanal representa, também, a proposta de um mundo em que o esforço coletivo se sobreponha aos interesses individuais.
***
Por Adriana Padro, em Isto é
"A senhora gostaria de escrever a Bíblia?" A aposentada carioca Esther Marques Monteiro, 83 anos, comprava um presente para uma amiga quando foi surpreendida pela inusitada proposta. O convite foi feito por um funcionário do Centro Cultural da Bíblia, no Rio de Janeiro, onde está instalado um scriptorium da Bíblia Manuscrita, projeto da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB). Esther topou e acabou sendo "presenteada" , como faz questão de ressaltar, com a responsabilidade de escrever um livro inteiro do Antigo Testamento, o Primeiro Reis. Isso porque sua letra foi considerada muito bonita. Entre uma atividade e outra, Esther, que também é bibliotecária voluntária da Igreja Evangélica Fluminense, conseguiu copiar toda a obra em cerca de um mês. E sem muitos erros. "Tinha que ficar calculando o que caberia em cada linha, porque não é permitido separar as sílabas das palavras na troca de linhas. Fica feio", conta. "Me senti privilegiada, porque compreendi o que estava escrito de outra forma, mesmo já tendo lido a Bíblia mais de uma vez", acrescenta. Mas por que alguém reescreveria o Livro Sagrado artesanalmente?
A iniciativa é para comemorar os 60 anos da SBB, mas o objetivo é despertar a atenção de quem não é leitor da Bíblia. Com a ajuda de voluntários de todo o País - ao todo, são 500 mil copistas -, serão feitas 29 cópias artesanais do Livro Sagrado. Depois, serão doadas a bibliotecas públicas estaduais e ficarão em exposição permanente. O resultado final será curioso: um livrão com diversas caligrafias recontando as Escrituras Sagradas.
Cada pessoa transcreve, em média, dois versículos. Para evitar repetições ou omissões, a transcrição dos copistas é sempre acompanhada por um orientador. Errinhos de escrita são resolvidos com o bom e velho corretivo. Bem artesanal mesmo. E o papel e a caneta são especiais e padronizados. Dez Estados, entre eles Rio Grande do Sul e Alagoas, já finalizaram seus livros. A maioria, como Rio e São Paulo, ainda aceita a colaboração de interessados. Qualquer pessoa pode participar. Não precisa ter letra bonita - apenas legível. Mas não é permitido escolher o trecho que quer escrever.
A fim de facilitar o trabalho, em cada Estado a entidade distribui os livros da Bíblia entre instituições parceiras, normalmente igrejas. O voluntário segue o versículo no qual seu antecessor parou. "Tenho testemunhos de pessoas que não conseguiram copiar, porque os versículos tocavam em pontos muito sensíveis da vida delas. Eu também fiquei muito emocionada, meu coração acelerou", diz a economista cuiabana Daniela Matteucci, 34 anos. Frequentadora da igreja Assembleia de Deus há 11 anos, ela incentivou a família toda a contribuir.
Na casa do músico baiano Élder Bugha, 23 anos, foi diferente. Filho de pais católicos, ele foi o único da família a transcrever três versículos do livro Primeiro Reis: "Mas eles me apoiaram, até porque é uma bênção colaborar em um manuscrito que vai ficar para as próximas gerações." De fato, há uma preocupação em fazer algo histórico. "Ao promovermos a participação das pessoas, mostramos como a Bíblia foi preservada ao longo de muitos anos, antes da invenção da imprensa. Esse esforço de preservação mostra como é grande o valor das Escrituras", explica o pastor luterano Rudi Zimmer, diretor-executivo da SBB. Além de reescrever um trecho das Escrituras Sagradas, os voluntários são convidados a fazer uma doação em dinheiro e essa arrecadação vai bancar o projeto da Bíblia protestante em braile. O valor sugerido é de R$ 1 por versículo copiado, mas muita gente dá mais. A versão do Livro Sagrado para cegos tem 38 volumes, e a católica, 45. Cada um deles custa em média R$ 40.
Uma das fontes de renda da Sociedade Bíblica do Brasil é o parque gráfico, um dos maiores do mundo na produção de Bíblias - que rende aproximadamente R$ 70 milhões por ano. Ali são impressos, anualmente, cerca de oito milhões de exemplares do Livro Sagrado, parte deles exportada para 102 países. Fundada em 1948, a SBB não tem fins lucrativos: reinveste seu faturamento na própria gráfica e também em projetos sociais. A entidade é administrada por cristãos, muitos deles líderes de igrejas protestantes e evangélicas com MBAs no currículo.
As Bíblias manuscritas ficarão prontas até o fim do ano. Uma vez encadernadas, estarão à disposição de quem quiser ler nas bibliotecas. Espera-se que desperte a atenção justamente por estar na contramão da sociedade moderna, adepta da tecnologia. "Muitas vezes, as pessoas só querem um abraço, a simplicidade. Também precisamos nos preocupar com a condição espiritual delas", afirma Walter Eidam, secretário regional da SBB no Sul do Brasil. Segundo ele, a Bíblia artesanal representa, também, a proposta de um mundo em que o esforço coletivo se sobreponha aos interesses individuais.
***
Por Adriana Padro, em Isto é
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário